17 de outubro de 2012

…Triste povo


Pudesse uma ideia erguer-se
Desse chão onde só resta pó
Cem mil pés o pisaram
Muitas gargantas secaram
E quem pensa continua só

Parece ser maior a vontade
De gritar, protestar e queixar
Do que de pensar
No outro, diferente e distante

Cada caso individual
Serve de exemplo para o mundo inteiro
Desde que seja aquele em especial

A solidão de cada um só se une
Contra um inimigo comum
Precisam dele, do seu nome, do seu rosto
Até que seja deposto

Rapidamente colocam lá outro
Igual, pois então
Caso contrário como poderiam
Repetir as frases fundadoras deste triste povo?

“São todos iguais”
“Fomos enganados”

E vira
Repete
Gira
E promete

6 de outubro de 2012

A redução do número de deputados


Periodicamente há sempre alguém que decide que o problema deste país é termos muitos deputados na Assembleia da República, e por isso é preciso reduzi-los. Invariavelmente essas ideias vêm de dois tipos de pessoas – dos defensores da bipolarização total do Parlamento (que passaria a ter praticamente só deputados do PS e do PSD) ou simplesmente de pessoas pouco informadas (para não utilizar um adjectivo mais agressivo).


A Assembleia da República tem 230 deputados, o que faz com que Portugal seja já um dos países europeus com menor número de deputados por habitante (1 para cada 43 mil). A grande maioria dos países com população idêntica à portuguesa tem mais deputados. É o caso da Suécia, por exemplo, que tem 349 deputados, ou da Grécia, que tem 300. Um destes países tem uma imagem externa excelente do ponto de vista político e económico; o outro está nas bocas de todo o mundo e não costuma ser para citar a sua extraordinária história. Pouca relação terá isto com o número de deputados, pelos vistos.

Já agora, e por curiosidade, diga-se que o Parlamento alemão tem 622 deputados, o francês 577 e o espanhol 350.

Ainda relativamente a reduções, veja-se o caso do Governo de Passos Coelho. Reduziu o número de ministérios como defendeu durante a campanha eleitoral (uma ideia que parecia agradar a muitos). O resultado foi o que se tem visto – os ministros são de facto menos, mas os assessores e consultores multiplicaram-se. Os custos não diminuíram, pelo contrário. Basta lembrar que o salário dos ministros está devidamente regulamentado e é público (há até quem recuse o cargo para não perder dinheiro), já o mesmo não se pode dizer do salário de alguns consultores, como o é caso de António Borges que tem mais poder do que a maior parte dos ministros. Já estão a ver no que dão certas reduções populistas.

Regressando aos deputados, o resultado de uma diminuição do seu número teria apenas uma consequência imediata – a menor representatividade das várias forças políticas que se traduziria numa bipolarização do Parlamento. As maiorias absolutas de um só partido seriam muito mais facilitadas e a oposição ficaria enfraquecida.

É curioso que muitos dos que defendem esta medida dizem que “os políticos são todos iguais” mas pretendem torná-los “um bocadinho mais iguais do que já são” ao limitar as oposições. Muitas dessas pessoas acham que os deputados não fazem nada. Pois bem, a minha sugestão é que deixem de votar nesses deputados…

Eu sei quem foi o cabeça de lista do partido no qual votei no meu círculo eleitoral nas últimas legislativas, e estou muito satisfeito com o seu trabalho. Agora se a maior parte das pessoas não sabe em que deputados votou para a Assembleia da República não me venham pôr a culpa toda nos políticos. Cada povo tem os políticos que merece. Nunca tivemos, como agora, tanto acesso facilitado a tanta informação. Querem saber quem são os deputados? Vão ao sítio da Assembleia da República. Pode dar trabalho mas informação não falta. 

O meu comentário à ideia dos círculos uninominais, que acompanha habitualmente a tese que defende a diminuição do número de deputados, fica para outra altura. Mas uma coisa posso avançar desde já - não vai ser um deputado com uma ideologia oposta à minha que vai representar os meus interesses, só porque foi eleito pelo distrito onde vivo! Haja paciência e algum bom senso, por favor. 

16 de agosto de 2012

“Também tenho de vender o meu peixe”


As pessoas têm sempre muitas coisas para dizer. É uma necessidade de repetir frases feitas até à exaustão que deixam qualquer ouvido extenuado.

Já assisti a incontáveis discursos, debates com auditório e direito a perguntas do público e reuniões e tertúlias sobre os mais variados temas. Em todas essas situações, e entre muitas outras possíveis conclusões, uma destacou-se sempre em todas – essa tremenda necessidade de falar que as pessoas têm. E que dizem elas? Sobretudo, o que dizem elas que não tenha sido já dito por quem acabou de falar? Nas “perguntas do público” então consegue-se sempre arranjar o(s) cromo(s) de serviço – o engraçadinho que julga ter piada, o fóssil que leu um livro (e apenas um) e o cita sempre que julga ter público atento, o pseudo-intelectual que mostra o seu enfado no tom de voz, na postura e no cheiro…

No entanto, quase sempre que alguma pessoa tem o seu momento, parece desperdiçá-lo. Quantas vezes numa qualquer manifestação o jornalista se dirige a alguém que vai gritando palavras de ordem e se depara com a hesitação: “… porque é que estou aqui?.. Então… porque isto está mal, está muito mal, e eles são uns gatunos, é o que é!” Os que acabam por ter um discurso mais estruturado nessas situações desfiam uma cassete que, apesar de quase sempre merecer o meu respeito, tem o mesmo efeito da morfina.

E nas reuniões? Nas intermináveis reuniões onde se discute actualidade política? Tantas bocas ávidas do seu momento e tantos ouvidos desligados – como diria o Paulo Bento – assim mesmo, com toda a eloquência que o caracteriza. A ele e aos discursos da maior parte dessas reuniões.

O que vale é que essas situaçõezinhas colectivas parecem fazer bem à saúde mental dos intervenientes. Sentem-se mais leves depois de falarem, depois de fazerem um bocadinho de barulho a repetir umas frases que ouviram a um senhor que elogiam muito quando ele está presente.

É absolutamente revigorante ouvir alguém que verdadeiramente tem alguma coisa para dizer, e que o diz com clareza, inteligência e sensibilidade.

Talvez volte a este assunto. 

O importante mesmo é dizer que tenho o maior respeito por quem não gosta de aparecer e de falar em público, mas lamento tanto que não ouçamos mais essas pessoas.

15 de agosto de 2012

Tresmalhadas

Farto de ouvir expressões e adjectivações “radicais”, pergunto-me se será possível alguém colocar-se entre os extremos sem ser amorfo, vazio de convicções e cheio de ganância. 

De um lado estão os mentirosos, considerados “ponderados e responsáveis”, que à força de tanto repetirem um discurso (porque têm espaço mediático e poder económico e político para o fazer) convencem qualquer incauto que queira ser convencido, isto é qualquer “português médio”. 

É uma elementar regra de Marketing: nunca ninguém vende nada a alguém que não queira comprar. Embora os vendedores da banha da cobra ainda achem que é graças às suas capacidades que conseguiriam vender frigoríficos aos esquimós no Pólo Norte. A realidade diz-nos que isso só acontece porque esses esquimós quereriam ter o mesmo aparelho que qualquer povo civilizado tem nas suas cozinhas. 

Do outro lado temos os realistas, apelidados de “radicais”, tão só porque acreditam que a realidade não está entregue a uma qualquer ordem universal suprema que tratará de endireitar as crises de tempos a tempos, deixando que os terrestres se preocupem apenas com as coisas que consideram "verdadeiramente importantes" (coisas essas que são, aliás, comuns a todos os seres vivos, desde os mamíferos aos invertebrados, passando pelas plantas e pelos fungos)… 

Acreditam, alguns desses “radicais”, verdadeiras ovelhas tresmalhadas, que têm de ser elas a fazer alguma coisa em conjunto pelo mundo, a começar por quem está mais perto, com os olhos sempre, sempre no futuro. Essas tresmalhadas (que aliás de ovelhas têm muito pouco, pois não gostam de seguir os passos dos outros só porque sim) têm também uma característica estranhamente rara - empatia. Procurando uma definição (está tão crescida a Wikipedia, não está?) lemos que esta «consiste em perceber corretamente o marco de referência interno do outro com os significados e componentes emocionais que contém, como se fosse a outra pessoa». E como a lucidez é absolutamente fundamental para definir uma pessoa e a sua inteligência, a definição continua com «colocar-se no lugar do outro, porém sem perder nunca essa condição de “como se”».

Através do conhecimento e da experiência tenta-se chegar à sabedoria. E essa passa, tantas vezes, por reconhecer as limitações próprias (tramadas) e as características dos que nos rodeiam. Como se pode aspirar à sabedoria sem lucidez e sem empatia (logo, sofrimento) é que eu não sei mesmo…

14 de agosto de 2012

"Intro"

Há demasiadas pessoas a achar que a vida lhes deve alguma coisa. Parece que a experiência não lhes ensinou que a arbitrariedade pode atingir qualquer um, a qualquer momento, com toda a força. Nenhuma vida interior é tão rica que impeça de se olhar em volta. O nosso espaço de intervenção pode ser a nossa casa ou o país, mas ele está aí - para ser questionado, moldado com as formas dos sonhos colectivos, mudado para melhor. O saber que não conduz à acção de pouco serve. Os actos que não têm por base a consciência arriscam-se a ser irresponsáveis. Miguel Torga, cujo desaparecimento foi assinalado esta semana, fala numa solidariedade umbilical, de berço: há um mínimo denominador comum que partilhamos que é o de estarmos vivos ao mesmo tempo. E para que estes tempos sejam menos penosos para alguns é preciso não nos resignarmos. Dizer presente! ao Presente.